“Será que um intruso estelar alterou o Sistema Solar exterior"



Novos resultados sugerem que uma estrela massiva se aproximou perigosamente do nosso Sol e ajudou a moldar as características misteriosas que vemos hoje.

NASA and JPL-Caltech - A ilustração mostra o peculiar planeta anão Sedna

Há um mistério se formando nos confins do nosso Sistema Solar.

Os astrônomos há muito acreditam que os oito planetas do Sistema Solar orbitam em círculos quase perfeitos porque se formaram dentro de um disco rodopiante de poeira e gás que circundava o jovem Sol. Mas em 2003 os cientistas descobriram algo estranho: um planeta anão conhecido como Sedna, cuja órbita alongada o faz percorrer uma órbita que varia entre duas e vinte vezes a distância de Plutão em relação ao Sol. Ele não está sozinho. Nos anos seguintes os astrônomos descobriram quase duas dúzias de objetos gelados distantes cujas órbitas são longas e estranhamente inclinadas em comparação ao plano do Sistema Solar. Para explicar essas órbitas estranhas, os cientistas especularam que talvez esses mundos sejam cicatrizes de um passado violento, um sinal de que algo - talvez uma estrela passageira - os tenha tirado de curso no início do nosso Sistema Solar. Ou talvez ainda haja um nono planeta distante cuja gravidade module suas órbitas peculiares.

Nos últimos anos a segunda hipótese ganhou força e a primeira foi deixada de lado, diz Susanne Pfalzner, astrônoma do Instituto Max Planck de Radioastronomia, na Alemanha. Anomalias nas órbitas de alguns pequenos objetos no Sistema Solar exterior acumularam evidências de um suposto “Planeta Nove”, que teria aproximadamente 10 vezes a massa da Terra. Contudo, um intruso estelar era considerado muito improvável - até agora. Pfalzner e seus colegas publicaram recentemente um artigo no arquivo para e-prints arXiv e na revista The Astrophysical Journal mostrando que estrelas podem invadir nosso Sistema Solar com muito mais frequência do que se pensava anteriormente. Os resultados não apenas conferem credibilidade a um sobrevôo estelar, mas também poderiam explicar como o fugidio Planeta Nove teria alcançado sua órbita ímpar.

Os astrônomos sabem que o Sol nem sempre foi tão solitário. Ele nasceu em meio a um aglomerado de centenas a talvez dezenas de milhares de estrelas que se dispersaram apenas 10 milhões de anos depois. Assim, enquanto o Sol ainda pertencia àquele aglomerado, as estrelas teriam viajado de um lado para o outro, em uma dança vertiginosa que facilmente pode ter trazido uma intrusa ao nosso Sistema Solar embrionário. Mas depois que o aglomerado se desfez, a probabilidade de um encontro como esse caiu para quase zero, ou assim se pensava. Mas Pfalzner e seus colegas agora argumentam que as chances de um encontro continuam bastante altas mesmo depois que o grupo se dispersou. Após muitas simulações em um computador, eles descobriram que há uma chance de 20% a 30% de que uma estrela, talvez tão grande quanto o Sol, tenha passado a uma distância de 50 a 150 unidades astronômicas em relação a Plutão (uma UA é a distância média da Terra ao Sol, ou 149 milhões de km.) Não há dúvida de que tal proximidade de uma estrela certamente abalaria nosso jovem Sistema Solar.

Embora os grandes planetas não sofram grandes interferências (assim como o Sol, que é apenas ligeiramente empurrado pelas gravidades menores dos oito planetas), o encontro perturbaria os objetos menores do Sistema Solar, lançando-os e colocando-nos em órbitas estranhas em locais distantes do Sistema Solar.

Além disso, as simulações também recriaram uma segunda tendência observada no Sistema Solar: a de que objetos da região exterior do sistema se agrupem no espaço. Eles viajam unidos em grupos muito próximos que cruzam o plano do Sistema Solar mais ou menos no mesmo ponto, antes de se encaminharem para uma mesma região situada nas áreas mais distantes. Em suma, as simulações que incluem um intruso estelar podem recriar perfeitamente o que observamos até o momento. "Mas a grande questão é se se estas características irão durar 4,5 bilhões de anos ou toda a vida útil do Sistema Solar", diz Scott Kenyon, astrônomo do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian que não esteve envolvido na pesquisa. Pfalzner concorda. Ela gostaria de modelar a seguir o comportamento a longo prazo para ver se essas mudanças vão durar toda a vida útil do Sistema Solar. Pode ser que apenas um sobrevoo feito por uma estrela próxima baste para  agrupar objetos apenas por um momento cósmico antes que eles voltem à suas órbitas aleatórias. Se for esse o caso, a existência de um planeta é a melhor explicação para as observações.

Os cientistas estão realizando observações das mais diversas formas para obter mais dados. Algumas equipes, por exemplo, já estão vasculhando partes grandes do céu e buscando por mais fenômenos estranhos na parte exterior do Sistema Solar. Scott Sheppard, um astrônomo da Instituição de Ciência de Carnegie que não esteve envolvido no estudo, não consegue conter sua excitação com o telescópio Synoptic Survey Telescope - um telescópio com 8,4 metros de largura e que provavelmente revelará centenas de novos objetos do Sistema Solar. "As pesquisas com o telescópio certamente vão abrir portas para o descobrimento desses objetos distantes", diz ele.

Enquanto isso, Kenyon está esperançoso de que a espaçonave Gaia, que está no processo de mapear um bilhão de estrelas com uma precisão sem precedentes, possa ajudar a encontrar os irmãos perdidos do nosso Sol. Isso permitirá que os cientistas entendam melhor o aglomerado estelar em que nosso jovem Sistema Solar se formou, ou a probabilidade de outra estrela se aproximar demais. "Gaia é nosso novo salvador", diz ele. Um estudo recente da espaçonave chegou a traçar caminhos percorridos por estrelas próximas e projetou o futuro de suas trajetórias. Com isso, foi descoberto que em um período de 10 milhões de anos 25 estrelas irão se aproximar perigosamente da Terra. Esse registro sugere sete vezes mais movimento estelar nas proximidades do que se esperava anteriormente.

E existem as várias buscas pelo fugidio Planeta Nove. Mas Pfalzner argumenta que a descoberta de outro grande membro do Sistema Solar não excluirá a possibilidade do sobrevoo estelar. "Um cenário não exclui o outro", diz ela. "Se o Planeta Nove existe, isso não é de forma alguma uma contradição ao modelo de sobrevoo. Seria possivelmente até um ponto a favor dele". Sua equipe argumenta que a órbita prevista para o Planeta Nove também seria excêntrica (muito longa) e inclinada (em relação ao plano do Sistema Solar). Ela provavelmente foi modelada pelo próprio intruso estelar. Então Pfalzner e os outros cientistas continuam a procurar pelo Planeta Nove e por outras coisas estranhas.

E embora os astrônomos possam discordar quanto às especificidades da história da origem do nosso Sistema Solar, eles estão certos de que muito mais objetos serão descobertos no Sistema Solar exterior. Sedna era a ponta do iceberg, diz Sheppard. "Há tanto no céu que não mapeamos até hoje que é provável que haja algo muito grande por aí".

Shannon Hall
Fonte: REVISTA SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL - https://www2.uol.com.br/sciam



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